Inquisição de Coimbra, ano da graça de 1658, Branca Mendes tinha completado há poucos dias 33 anos quando a prenderam. O cenário era sempre muito idêntico, a filha mais velha, de tenros quatro anos, chorava agarrada à saia da mãe, enquanto Branca segurava ao colo a criança mais nova, um menino de fartos cabelos negros a quem, em segredo, queriam pôr o nome de Sansão. Os beleguins arrancaram-lhe as crianças à força com a ferocidade dos brutos que não respeitam a inocência das crianças.
Um mês depois, a 11 de Novembro, era entregue aos cuidados da Inquisição de Coimbra onde respondia na primeira chamada à mesa, sendo interrogada pelo inquisidor Frei João de Vasconcelos, um frade dominicano, claríssimo em sangue e mais ainda em virtude. Como diziam os regimentos, este frade deveria ter um semblante que era espelho do espírito, cópia do génio, imagem do coração, traslado da alma e sobrescrito da natureza. Ou, como diria Branca Neves, um rosto comprido proporcionado ao corpo; olhos grandes e tão severos que eram uma repreensão muda dos que se erguiam a vê-los; as sobrancelhas, como a cabeça, bem povoadas de cabelo, mas barba escassa; o nariz seria avultado na proporção do rosto e boca retorcida; a cor da face era desmaiada e os beiços nem grossos nem delgados. Os seus pares diziam que tinha um ar majestoso e venerável, mas o tom da pele dava-lhe um aspecto pálido, reflectido numa natureza debilitada e achacada, por tudo o que se associava à austeridade e ao sofrimento. Um homem que é espelho da dor não quer dizer que seja sensível à dor dos outros, e Branca Mendes temia-o.
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