Este Blogue não tem como finalidade apresentar um trabalho científico sobre o Judaísmo, a cabala ou o Quinto Império. Destina-se unicamente a servir de suporte ao entendimento generalizado das principais figuras deste romance e aos locais onde o mesmo se desenvolve.



terça-feira, 14 de junho de 2011

Recensão de José Eduardo Franco

A Corda de Judas Iscariotes: O Quinto Império do Mundo, Carlos Maduro, Lisboa, Fonte da Palavra, 2010.

     A Corda de Judas Iscariotes: O Quinto Império do Mundo da autoria de Carlos Maduro (Lisboa, Fonte da Palavra, 2010) é o romance de estreia do investigador Carlos Maduro nas lides da criação literária, pois no mundo da história e da crítica literária já tem provas dadas. Com efeito, o autor tem-se revelado como estudioso de Vieira, tendo concluído uma tese de doutoramento inovadora sobre a epistolografia do grande pregador jesuíta do tempo do barroco e, presentemente, está a coordenar uma nova edição global das cartas vieirianas com documentos novos e acertos em relação à clássica edição de João Lúcio de Azevedo. É, portanto, um bom conhecedor dos arquivos e do discurso epistolográfico de Seiscentos, beneficiando este romance em muito deste seu conhecimento.

     Estamos diante de um romance verdadeiramente notável que esperamos possa iniciar uma nova tradição, ou pelo menos, um novo subgénero no âmbito da criação literária e que venha para ficar.

    Trata-se do que podemos chamar um romance cultural e pedagógico muito útil para reviver e revisitar factos, acontecimentos, mentalidades do nosso passado estabelecendo a sua ligação subterrânea com o presente, surpreendendo continuidades que ainda subsistem contemporaneamente.

     Vários temas, várias problemáticas, vários cenários e tempos históricos são aqui cruzados, interceptados, interligados e colocados em diálogo funcional para abrir uma extraordinária janela de conhecimento e de compreensão vivencial dos contextos e dos tempos históricos em contraponto. Diásporas dos judeus sefarditas na sequência da intolerância ibérica na modernidade e das perseguições da inquisição, a onda de euforia messiânica, finimundista e profética que nos século XVI e XVII atravessou transversalmente tanto o cristianismo, como o judaísmo e até o islamismo.

     O tempo do Padre António Vieira, os judeus da diáspora portuguesa jogados pela inquisição para a Holanda e outras paragens menos intolerantes, o diálogo com as comunidades judaicas sensíveis a expectativas messiânicas periodicamente excitadas por esperanças eufóricas em torno de datas e figuras que se sucedem no jogo dramático das interpretações. Assim como no século XVI e XVII, na sucessão de datas finimundistas e de messias malogrados, marcados com desilusões, por vezes, trágicas pessoas e comunidades inteiras, também no nosso tempo o romance encena a subsistência de pequenos redutos de judeus sefarditas que mantêm a esperança expressa em práticas rituais e iniciáticas de carácter messiânico, esperando o dia da glória de Israel.

     É nesta paleta sobreposta de épocas e figuras históricas que se tece o enredo e uma belíssima e apaixonante história de amor entre dois estudantes de Relações Internacionais em Genebra: uma judia, filha de uma poderosa família hebraica holandesa descendentes dos judeus portugueses, e um estudante português de trás-os-montes, que veio a descobrir-se de sangue cristão-novo judeu. Apesar de acabar em tragédia devido a mais um não vingar da esperança projectada em Ester Cardoso noiva de José Mendes, que se tornou alvo de mais uma expectativa gorada de vir a ser mãe do messias que está para vir, o enredo permite ao romancista, na sucessão alternada de capítulos que põem em confronto tempos e contextos históricos diferentes, de explicar com uma extraordinária aparelhagem de informação os trajectos dramáticos do cripto-judaísmo e da diáspora judia em consequência da intolerância portuguesa e espanhola aplicada inquisitoriamente.

     Sendo o autor do livro professor e investigador, oferece ao longo do enredo uma espécie de visita guiada ao mundo secreto, íntimo, familiar das práticas judaicas e ao património simbólico do judaísmo resistente a todas as perseguições históricas, onde a parte da corda de Judas deixada em Portugal ganha especial relevo.

     É um romance que se lê com atenção e tensão crescente, oferecendo ao leitor um desfecho surpreendente. Beneficia-se desta leitura não só pelo prazer de contactar com uma apaixonante história de amor interceptado com muitas outras pequenas histórias de judeus e cristãos que se cruzam nos caminhos da vida e das esperanças que os fazem mais parecidos do que émulos. De algum modo, esta obra permite revisitar Vieira e compreender o seu sonho/projecto de entendimento/acolhimento dos judeus no seio das sociedades católicas, consubstanciados na sua utopia do Quinto Império. A possibilidade de quebrar as fronteiras das raças, tradições e religiões que dividem a humanidade e têm impedido um convívio pacífico entre modelos de vida, de crença e de pensamento diferentes é uma utopia que moveu grandes homens do passado e do presente, projectando um mundo novo. Esta obra faz de algum modo uma homenagem aos que acreditaram e labutaram contra a intolerância altamente devastadora e predadora dos ideais de fraternidade entre os homens.
 

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